Maria Pia na Camara Federal


DEPOIMENTO DA SRA. MARIA PIA FINOCCHIO, PRESIDENTE DO SINDDANÇA-SP, NA AUDIÊNCIA PÚBLICA DA COMISSÃO ESPECIAL DE EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTO, DA CÂMARA FEDERAL, EM 25/06/2003

Excelentíssimo Sr.. deputado GASTÃO VIEIRA, presidente desta Comissão de Educação, Cultura e Desporto, Excelentíssimo Sr. Deputado. GILMAR MACHADO,

Relator do projeto de lei 7370, do nobre deputado Luis Antonio Fleury Filho

Senhores. Deputados, membros desta importante Comissão
Senhoras. e Senhores, integrantes desta mesa
Senhoras. e Senhores, presentes nesta audiência pública

Aqui estou representando cerca de cem mil bailarinas, bailarinos e coreógrafos, profissionais da dança de todo o Brasil. E por delegação patronal, representando mais de 6.000 academias de ballet de todo o país. Fui convidada a comparecer e falar nesta audiência pública, na condição de presidente do Sindicato dos Profissionais da Dança do estado de S. Paulo e representando as seguintes entidades ligadas ao mundo da dança em nosso país: ANEATE-Associação Nacional das Entidades de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões, FENAC-Federação Nacional da Cultura, Federação dos Trabalhadores em Empresas de Difusão Cultural e Artística do Brasil, SATED-Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do estado de Minas Gerais e SINDILIVRE-Sindicato das Entidades Culturais do estado de S. Paulo.
Senhores deputados
Senhoras e Senhores integrantes da mesa.

Esta audiência pública foi convocada para se esclarecer, penso que de modo definitivo, a absurda pretensão do Conselho Profissional de Educação Física, em obrigar bailarinas e bailarinos a se inscrever em seus quadros. Exigem isso para que nossos profissionais possam continuar exercendo sua profissão, sobretudo como professores de dança, nas academias de ballet, que são cursos livres, portanto fora do alcance de conselho profissional. Com todo respeito, minhas senhores e meus
senhores, estamos diante de um despropósito. Trata-se de uma pretensão sem amparo legal, uma agressão gratuita contra trabalhadores e trabalhadoras da dança. Nossa categoria é pacífica, discreta, quase sempre pouco remunerada, anônima no seu trabalho diário. O bailarino tem de ensaiar diariamente, oito horas, para se
apresentar no palco de um teatro. A bailarina-professora é uma idealista. Pisa diariamente, com suas sapatilhas, muitas vezes já surradas, o chão sedoso das academias, para que seu trabalho ajude no desabrochar de talentos, na projeção de novas gerações do ballet brasileiro.
Por que o Conselho de Educação Física passou a agir assim? Objetivamente, não sabemos. Talvez seja estratégia para expandir sua área de representação, visando ampliar seu quadro de profissionais contribuintes. Mas, em se tratando de Conselho Profissional, isso não faz sentido. Não há que se falar no enquadramento. Um conselho profissional emana de lei federal que fixa, com muita clareza, sua competência operacional. E delimita seu universo de profissionais, pelos quais responde, legalmente, perante a sociedade. O Confefi zela pela Educação Física no Brasil.

Não pela Dança! Estaremos diante do supra-sumo dos absurdos, considerar a dança como atividade de educação física. Ambas atividades são tão distintas que, temos certeza,.não é preciso uma profunda análise, para mostrar diferenças enormes entre elas. Uma é voltada ao preparo físico do corpo. A outra ao uso do corpo para a
atividade artística.

Senão, vejamos:

Sabemos que a dança é inerente ao ser humano. Surgiu nos primórdios tempos, quando o homem dançava para o Sol, para a Lua, antes de uma batalha entre as tribos, e nos festejos das colheitas. Enfim, foi uma das primeiras manifestações artísticas e culturais do ser humano. Mas também sabemos que a atividade
física, de lazer e disputa, deu-se com a criação dos jogos olímpicos, milhares de anos após, na Grécia antiga. Jamais negamos que a dança não fora uma atividade física. Ela também requer um preparo físico específico. Isto para que os movimentos, relativamente difíceis, tornem-se suaves, lúdicos aos olhos, utilizando-se do
tempo, do espaço, do ritmo e da velocidade , sempre aliados a um contexto filosófico, buscando a melhor linha estética para exprimir sentimentos. Na dança o corpo fala, conta estórias, forma opiniões, enfim, instrui, passa uma mensagem que toca a sensibilidade de quem está assistindo.
Os cursos livres de ballet, no Brasil, já estão alcançando cerca de 80 anos de existência em nosso país. Começaram no eixo S. Paulo-Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do século passado, sobretudo com a figura pioneira de Maria Oleneva. Na década de 1930 Maria Oleneva criou o Corpo de Baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Logo em seguida foi criada a Escola Municipal de Bailados, da cidade de S. Paulo. Desses primórdios, logo a dança, tanto a clássica, como a moderna, folclórica, ou popular, tomou grande impulso em nosso país, inclusive com o grande espetáculo dos desfiles de carnaval, nas avenidas. Mas a dança clássica, em nosso
país, nasceu nas academias. E elas começaram pequenas, em casas de família, onde, geralmente, se ensinava canto e piano, ou outro instrumento musical. Era, essencialmente, uma prática cultural familiar, comunitária, de bom gosto, às vezes aconselhada para melhor desenvolver a criança e a adolescente. Logo o grande
interesse despertado levou à profissionalização. E começaram a se multiplicar, por todo o país, as academias de ballet. Essa arte expandiu-se com muito vigor em todo o Brasil. Acabou projetando nosso país no exterior, com bailarinos dos mais talentosos. Vários deles, que pela primeira vez vestiram a sapatilha numa pequena
academia de nosso interior, hoje atuam nas principais companhias de ança do mundo. São destaque nos corpos de baile das principais capitais européias. Aquí em nosso país, grandes nomes do ballet, como Ana Botafogo, levam essa arte aos adolescentes dos morros cariocas, às comunidades carentes das grandes cidades, resgatando a infância e juventude, menos assistidas, para o despertar dentro de um mundo melhor, muito mais belo e humano. Pois bem: Ao longo de todos estes anos, de consagração do ballet no mundo e no Brasil, nunca se falou que ele era um seguimento da educação física. Nem em sonho, ou num pesadelo, alguém cogitou de afirmar que o ensino do ballet faz parte da educação física. Nem aqui, nem em parte alguma do mundo. Em nosso país o ensino do ballet sempre foi curso livre. É assim que sempre foi reconhecido pelo Governo, por meio do Ministério da Educação. No curso livre o professor não precisa ser diplomado em curso superior. Não necessita licenciatura. Tem de ter aptidão comprovada para ensinar. É assim com o bailarino que ensina na academia. A seleção é natural. Se a academia não tiver bons professores, certamente não terá alunos. E acabará fechando as portas. Quem julga o trabalho do professor e da academia, é a sociedade. Ao longo dos anos é assim que tem sido feito com muito êxito, em nosso país. Foram as academias, os cursos livres, que formaram as primeiras gerações de bailarinos e bailarinas no Brasil.
E continuam nessa tarefa com muita competência. É claro que hoje já temos cursos regulares de dança, inclusive de nível superior, diplomando profissionais de boa qualidade. Mas mesmo nesses cursos regulares os professores são selecionados entre os melhores que atuam na arte da dança, no Brasil. No currículo oficial dos
cursos superiores de dança, instituídos por lei, reconhecidos e fiscalizados pelo Ministério da Educação, na consta o ensino de educação física! Os profissionais diplomados associam o perfeito conhecimento da técnica, com o enriquecimento da formação acadêmica.
Quanto à bailarina-professora, que leciona em cursos livres, ela também é uma profissional regulamentada, submetida a avaliação por banca examinadora dos Sindicatos de Profissionais da Dança, para que possam obter o registro profissional no Ministério do Trabalho, popularmente conhecido como “DRT”. Sem esse registro ninguém pode exercer a profissão no mundo da dança. O decreto 82.385, do ano de 1978, que regulamentou a lei 6.533, desse mesmo ano – lei que regulamenta a profissão de artistas e técnicos em espetáculos de diversões, no Brasil – define da seguinte forma a figura do bailarino-dançarino: “…é o profissional que executa danças através de movimentos coreográficos preestabelecidos, ou não; ensaia seguindo a orientação do coreógrafo, atuando individualmente, ou em conjunto, interpretando papéis principais, ou secundários; pode optar pela dança clássica, moderna, contemporânea, folclórica, popular, ou shows; PODE

MINISTRAR AULA DE DANÇA EM ACADEMIAS, OU ESCOLAS DE DANÇA, RECONHECIDAS PELO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, OBEDECIDAS
AS CONDIÇÕES PARA REGISTRO COMO PROFESSOR”.

Vejam que a própria lei regulamentadora já se antecipa à questão.

Ela admite a bailarina-professora nos cursos livres, excluindo sua presença nos cursos regulares, onde, evidentemente, é necessária a licenciatura, o diploma de conclusão de curso superior de dança em faculdade oficial.
Argumentam, dirigentes do Confefi, que bailarinos-professores, por não terem o curso de licenciatura em educação física, nada entendem do corpo humano e podem causar prejuízos ao físico dos alunos. Isso é uma enorme falácia! Argumento sem base técnica.(X) Apenas sofisma.(X) Na minha vida, toda ela dedicada exclusivamente ao ballet, em meu país, nunca soube de um único caso de acidente grave, em academia, vitimando aluno. É claro que um caso, ou outro, alguma vez, possa ter ocorrido, mas o número é tão insignificante que sequer consta de registros oficiais.
Ademais, a atividade profissional da dança, no Brasil, também é regulamentada em lei. Reiteramos a citação da lei 6.533, do ano de 1978. Portanto, é uma profissão regulamentada há 25 anos, o que, por si só, impede que outra profissão, no caso a educação física, queira se investir sobre ela. Destaque-se que a dança tem sua própria nomenclatura, sua codificação internacional, baseada no idioma francês. Isso é adotado, obrigatoriamente, pelos profissionais da dança no mundo inteiro. Mesmo os russos, grandes mestres do ballet clássico, submetem-se a essa nomenclatura. O aprendizado que o bailarino tem, sua formação técnica, se apóia numa escola com 300 anos de tradição! Temos absoluta certeza que a Educação Física ignora isso tudo. Toda essa celeuma, de agora, começou há cerca de cinco anos, com a criação do Conselho Federal de Educação Física. Numa atitude unilateral, provocativa e violenta, conselhos regionais de educação física, como em S. Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais e outros estados, passaram a atacar, grosseiramente, as academias de dança. Com requisição da polícia, passaram a assediar as academias, chegando ao absurdo de praticar invasão policial em algumas delas. Tudo para impedir que o bailarino, ou bailarina, continuassem ensinando nas academias, pois
não tem o registro do Confefi. Levaram pânico, medo, terror aos cursos livres. E continuam a agir desse modo truculento. São constantes as denúncias de academias que chegam ao nosso sindicato, relatando a violência de que são vítimas. Em Ribeirão Preto, no ano passado, uma senhora de 60 anos, diretora de uma das academias de ballet mais tradicionais da cidade, funcionando há 30 anos, foi retirada de sua escola à força, por policiais e dirigentes do Confefi, levada à delegacia de polícia, autuada em flagrante e indiciada em inquérito. Ao que consta, foi acusada de prática ilegal da profissão!! Seus bailarinos-professores não tinham registro no Confefi!

Ainda no ano passado nosso sindicato obteve do Ministério Público do estado de S. Paulo uma manifestação técnica desqualificando a pretensão do Confefi. O Ministério Público considerou absolutamente legal a presença de bailarinasprofessoras nas academias. Só após isso foi possível um pouco de paz no mundo da dança. Mas, mesmo assim, o Confefi continua a assediar as academias, como em S. Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Minas Gerais. `É possível que estejam fazendo isso em outros estados. Criam situações constrangedoras, grotescas, revoltando a própria comunidade, pois familiares de alunos, em solidariedade às bailarinas, já falam em oferecer resistência física aos agentes do Confefi. É preciso parar com isso. É preciso um basta. Agora estão chegando ao nosso sindicato denúncias de assédio contra escolas que ensinam a dança do ventre, e casas de show que oferecem esse espetáculo. É difícil imaginar fiscais do Confefi parando a apresentação da bailarina, durante a dança do ventre, para responder se tem filiação a esse Conselho. Passistas, mestres-sala, enfim, todos que dançam na escola de samba, também são enquadrados como profissionais da dança. Imaginemos, também, os agentes do Confefi, com a polícia atrás, invadindo a avenida Marquês de Sapucaí, no
Rio de Janeiro, em pleno carnaval carioca, para exigir que os passistas mostrem a carteirinha do Confefi! E, como não tem, certamente o desfile seria suspenso e o pessoal levado à delegacia de polícia. Em S. Paulo até as academias, que somente ensinam dança de salão, tem procurado o Sindidança para denunciar o assédio dos
agentes do Confefi. Logo vão querer que o Carlinhos….faça curso de Educação Física! (X) É uma situação que já passou de todos os limites!
Vivemos um momento difícil, pois nossa categoria, tem dificuldade de se mobilizar para esse tipo de enfrentamento, pois nunca conviveu com uma situação dessa
natureza. O que continuamos a ver é um ataque maldoso, insolente, contra as academias e os profissionais da dança. É nas academias que muitas de nossas companheiras bailarinas ganham seu pão de cada dia. E prestam inestimável colaboração no desenvolvimento dessa arte em nosso país. Instigar o ódio, perseguir
os indefesos, não honram ninguém. Essa prática truculenta só depõe contra o Confefi.
Bailarinas e bailarinos apelam aos senhores deputados, para que compreendam a realidade em que vivem. E façam justiça! Aliás, é isso que objetiva o projeto de lei 7370, apresentado pelo nobre deputado Luis Antonio Fleury Filho, conhecedor da questão porque acompanha de perto a luta de nossa categoria.
Bailarinas e bailarinos do Brasil querem, apenas, continuar trabalhando em paz. As academias, e os grupos de dança, querem continuar prestando seu serviço à comunidade, trabalhando de modo livre, e sem pressões. Sem o medo de serem invadidas, a qualquer momento, pelas tropas de choque do Confefi, com reforço policial. A paz social é fundamental na vida das pessoas. Cada qual só faz bem aquilo que sabe e pelo que tem amor. Assim como a bailarina não se apresentará,
para competir numa disputa esportiva, como o arremêso de martelo, na olimpíada, da mesma forma não é possível o professor de educação física, apenas por essa condição, se apresentar no palco do Teatro Municipal, de uma de nossas capitais, para dançar o Lago dos Cisnes… Não vai aqui qualquer sentimento depreciativo a esses profissionais, mas a comparação se faz necessária para bem situar as posições, na busca da verdade. Temos todo o apreço e respeito pelos profissionais da educação física, que, inegavelmente, também estão alcançando acentuado êxito na expansão dessa atividade em nosso país, com repercussão excelente na melhoria da qualidade de vida de nosso povo. Concluímos, com base em tudo que acabamos de expor, que a aprovação do projeto de lei 7370, do deputado Fleury Filho, é uma garantia real da preservação da arte, da educação e da cultura do povo brasileiro. Será uma deferência, um extraordinário respeito para com os direitos, à ética e à dignidade dos profissionais bailarinos e arte-educadores de nosso país. Neste envolvente processo de globalização, é preciso preservar a arte, costumes, o modo típico de ser de nossa gente, para que não vejamos, em futuro breve, ser destruída totalmente nossa identidade nacional. E a dança é um dos pilares a sustentar a tradição cultural brasileira.

Senhores deputados: Mais como brasileira, que como dirigente classista, devo externar minha emoção e gratidão, aos senhores, por terem nos oferecido esta grande oportunidade de expor nossas razões. A audiência pública, hoje, é uma das grandes expressões da democracia brasileira. Uma iniciativa que dignifica, com muita
nobreza, o Parlamento de nosso país. Por isso os profissionais da dança e dirigentes de academias, de todo o Brasil, agradecem, sensibilizados, o convite feito. A todos os senhores, o muito obrigado dos profissionais da dança de todo o Brasil.